sábado, 16 de outubro de 2010

O amanhã não se sente

Sinto que algo de pérfido se aproxima.
Senti a alvorada inquieta desde muito cedo. O silêncio que me cerca é horrendo. O céu está pintado de choro e morte. A brisa que vem directa à minha face mal lavada é ressequida. Os animais já não se devoram uns aos outros.
Não passei a noite muito bem. Chego a pensar que me chega o dia que não queria presenciar.
Meu amigo alertou-me, por isso escrevo-lhe. Espero não a abrir em desespero. Já anteviu a batalha que se avizinha.
Não sei se sinto o amanhã. Tremo por cada vez que toco na erva, tremendo por pensar que poderá ser a última vez que lhe toco.
Há um desassossego em campo. Os meus homens desejam ver as suas amadas pelo menos mais uma vez antes do breve adeus. Tal como eu a desejo ver. Os meus olhos já não abrem como dantes. A minha voz já não intimida.
Donzela, pense em mim. Reze muito por mim. Pede que o meu fim seja outro. Eu sei que Deus Nosso Senhor abrigará as nossas almas. Tenho dois anjos da guarda de um lado, o seu e o meu. Nada de infernal poderá acontecer. Mas se acontecer chegará como sinal de minha morte o meu beijo.
Por mais escreveria mas os meus homens já se ergueram. As armas estão prontas. Os anjos estão prontos. Porém eu não estou pronto. Falta-me sentir os seus cabelos. A sua bondade, beleza, perfeição já se extingue do meu ser. O meu coração enche-se a pouco e pouco de pensamentos ruins. Desespero ao pensar que esta é a última bela carta que lhe escrevo.
Lute a meu lado, peço-lhe. A oração é mais forte do que os corações assombrados da guerra.
Espero que o seu leve toque tenha aberto a minha carta com esperança. Pois a esperança nunca há-de morrer em batalha.

Sem mais demora,

Espere por mim neste mundo ou no próximo…

(26 de Maio de 2009)

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